
O que havia ali antes? Eu nunca saberei. Ou melhor, devo dizer que até sabia, mas não lembrava. E por mais que me esforçasse, sabia que nunca me lembraria. Eu não havia dado a devida atenção.
Era uma casa? Uma loja? Uma clínica médica, talvez? Poderia ser o esconderijo de uma bruxa, um asilo para idosos, uma clínica veterinária, mas agora, não é mais nada. Apenas uma pilha de tijolos disformes e um terreno abandonado. E eu não me lembrava.
Não sei por que o evento me incomodou tanto. Talvez por eu me gabar de prestar atenção nos mínimos detalhes, naquelas coisas que ninguém mais acha relevante. Talvez porque a situação toda me pareceu a metáfora perfeita para aqueles momentos em que você só sente a falta de uma pessoa quando ela já foi embora. De qualquer forma, eu estava transtornada.
Era a rua da minha casa. Eu caminhei por ela todos os dias. Como pude deixar de notar? Como pude esquecer? Eu me senti traída. Eu me senti uma traidora. E agora? Nada mais podia ser feito.
O que quer que existisse ali, já não mais existia. Eu nunca saberia o que se passou por trás daquelas paredes, elas não mais poderiam ser objeto da minha imaginação.
E isso me entristeceu.
Querida, reparei agora que duas semanas antes de você postar essa crônica, em pleno 31/10, foi o derradeiro dia útil de quatro lojinhas simples mas chiques à sua maneira, com paredes de vidro, em imóveis bem apertados na Cidade Nova, região do centro do Rio que vem se desenvolvendo rapidamente como a nova fronteira corporativa da cidade. A população original e suas favelas vão sendo “convidadas a se retirar”, e com os inquilinos dessas quatro lojinhas não foi diferente, a não ser, claro, no método de expulsão.
Bem, um desses inquilinos era um café com o melhor atendimento do mundo, coisa rara por aqui. O contrato de aluguel tinha expirado e, com os meses atrasados, o senhorio não quis renová-lo. Deixou ser encerrado enquanto a inquilina, agora sem a renda do café, luta pra pagar os atrasados. No treats, just tricks. Foi um Halloween de muito choro e vela, a gente abraçando a dona e as funcionárias, porque era o mínimo do que elas tavam precisadas.
As outras três lojinhas? Apareceram vazias no mesmo dia útil seguinte ao de finados. E o que tinha lá antes? Não faço a mínima idéia. Acho que tô precisando dum abraço também.
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Vale virtual? *le abraço* 🙂
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