E chegou a hora! Preparem-se, que lá vem textão!
Meu nome é Bárbara de Medeiros (acho que essa você já tinha deduzido), eu tenho vinte e um anos e desde os meus quatorze sou envolvida com a luta contra a escravidão.
Mas peraí, Bárbara! Eu estudei que a escravidão foi abolida em 1888, pela princesa Isabel!
Não é bem assim, meu caro padawan. Senta que lá vem história.
O trabalho escravo moderno, ou trabalho análogo à escravidão (ou, ainda, trabalho escravo no século XXI ou neo-escravidão), realmente difere da escravidão que estudamos nas aulas de história. Mas não podemos afirmar que escravidão é coisa do passado, e nem pense que são poucas pessoas se encontram escravizadas hoje. Na verdade, 40.3 milhões de pessoas no mundo encontram-se em situação de escravidão moderna, o que significa que são 5.4 pessoas para cada 1.000 pessoas no mundo. Mais de 400.000 delas estão nos Estados Unidos. Na verdade, há mais pessoas escravizadas hoje do que já tivemos em qualquer outro momento da história.
Mas por que você deve se importar com isso?, você deve estar se perguntando. Você nem conhece ninguém que se encontra nessa situação. Não sabe como poderia ajudar. Pois eu vou te fazer perceber como é um problema muito maior do que você pensa.
Em 2016, a cantora Ke$ha (RAINHA) foi à corte de justiça americana pedir, entre outras coisas, a quebra de contrato entre ela e a Sony, alegando, entre outros motivos, que se tratava de um tipo de escravidão, principalmente considerando que ela estava sendo forçada a trabalhar com Dr. Luke, um produtor musical que teria estuprado-a. Será que isso é realmente escravidão? Talvez no final desse artigo você possa opinar nos comentários!
Nem precisamos ir tão longe pra entender como esse assunto importa à nossa vida. Meu avô teve de sair da escola para trabalhar e ajudar a família a sobreviver, no que hoje seria considerado um exemplo clássico de trabalho escravo infantil. Mas foi apenas em 1995, em decorrência de um caso levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que o Brasil reconheceu que ainda existia trabalho escravo em seu território e se propôs a fazer algo a respeito disso. Logo, se meu avô tivesse entrado na justiça para pedir algum tipo de ressarcimento, sua alegação provavelmente teria sido desconsiderada, principalmente devido à cultura rural brasileira da época.
E esse trabalho análogo à escravidão não é algo apenas de regiões pobres do país ou do mundo, viu? Sim, ele existe no Amazonas e no Nordeste, mas também está muito presente em São Paulo, onde grandes empresas mantém oficinas de costura de roupas em situações absolutamente deploráveis.
Outra temática muito relacionada à questão da neo-escravidão é a dos refugiados. Quando uma pessoa é forçada a fugir do seu país, muitas vezes sem nenhum documento de identificação, e se realocando ilegalmente em outro território, ela é capaz de aceitar qualquer condição de trabalho, contanto que garanta-lhe o mínimo necessário para sobreviver. Mas quando eu digo o mínimo, é o mínimo mesmo. Uma escova de dentes muitas vezes é luxo, para essas pessoas.

Da mesma maneira, a pobreza é considerada uma das principais causas do trabalho escravo, o que explica o porquê do crescimento econômico de um país implicar no combate à essa ofensa. Apesar disso, muitas empresas sujeitam seus trabalhadores a condições desumanas para a pura obtenção de um lucro maior, sem atentar que a falta de pagamento (ou de pagamento razoável) de seus empregados implica que eles não estarão em situação propícia para investir na economia – não comprarão de outras empresas, que por sua vez, não obterão o lucro necessário para investir nessas empresas iniciais que serão então, indiretamente afetadas. Logo, uma empresa que opta por explorar sua mão de obra não só está cometendo um crime ou uma atitude imoral, como também está contribuindo para a sua própria falência, indiretamente e a longo prazo.
A grande diferença do trabalho escravo que você estudou na escola para o que está presente ao nosso redor hoje em dia é uma questão meramente conceitual. Enquanto o antigo girava em torno mais de uma questão de propriedade, o atual diz respeito à exploração contínua e exagerada.
Nesse sentido, diversas seriam as formas da escravidão moderna, o trabalho forçado sendo apenas o mais comum. Haveria também a servidão por dívida (o ciclo vicioso de um trabalhador que tem sua hospedagem e alimentação adiantadas pelo empregador, que depois recolhe o valor do seu salário e assim, nada é ganho e a dívida só faz aumentar), o tráfico humano (mais um meio para a obtenção de escravos do que uma escravidão em si, pelo que entendo), a escravidão infantil (agravante relacionado à idade do sujeito) e até mesmo o casamento forçado, algo tão comum a muitas culturas, mas que implica não só uma servidão doméstica (outro tipo de trabalho escravo) como também, muitas vezes, uma exploração sexual. O que me lembra que o tráfico sexual também é outro tipo reconhecido de trabalho escravo moderno.
No Brasil, nosso Código Penal considera como trabalho escravo aquele que: é realizado em condições degradantes, sob restrição de locomoção em razão de dívida, considerado como trabalho forçado ou que é realizado em uma jornada exaustiva. Contudo, muitos de nossos políticos, direta ou indiretamente envolvidos no ramo econômico, já manifestaram interesse em restringir essa definição para o mínimo possível, o que nos leva a pensar – por que será?
A melhor forma de combate a esse seríssimo problema é o investimento na educação, uma economia livre e forte, além do respeito à dignidade da pessoa humana, que, essa sim, deve ser considerada sempre pelos nossos legisladores e demais políticos.
Espero que você tenha aprendido um pouco comigo hoje! Aqui embaixo vou colocar os links que usei para basear minha escrita, mas tenho muito mais referências e inclusive algumas recomendações de documentários interessantíssimos sobre o tema, se vocês quiserem! Comenta aqui embaixo que eu escrevo uma continuação – um dever de casa para quem quer se aprofundar no problema!
– Bárbara de Medeiros
REFERÊNCIAS
https://www.ilo.org/global/topics/forced-labour/lang–en/index.htm
https://www.antislavery.org/slavery-today/modern-slavery/
https://www.theguardian.com/world/2018/jul/19/us-modern-slavery-report-global-slavery-index