Os piores dias…

… são sempre reprises de episódios passados.

E de repente eu tenho oito anos novamente e estou recebendo uma advertência da coordenadora por ter arranhado um coleguinha.

Ela não se deu o trabalho de perguntar por que eu fiz isso.

E de repente eu tenho dez anos de novo e a mãe de outro colega está gritando comigo no meio do pátio por eu ter dado um tapa na cara do seu filho.

Um tapa?! Eu?! Quando? Ah, aquilo? O empurrão que eu dei de brincadeira pra que ele ficasse calado depois que ele me chamou de gorda na frente de dois amigos?

E de repente eu tenho doze mais uma vez e uma professora faz questão de dizer na frente da sala que eu fiz tudo errado e devo começar o trabalho de três semanas do início, pra entregar amanhã.

Será que ela se lembra que ontem tinha dito que estava do jeito que ela queria?

E de repente eu tenho quinze de novo e estou sendo dramática por não gostar que um colega tenha batido na minha cabeça pra me acordar quando eu estava repousando-a na mesa devido à enxaqueca que me desestabilizava.

Pra quê tentar explicar?

Tenho dezessete e todos continuam brigando e reclamando, forçando-me a mudar e desestimulando-me a fazer o que quero por meio de sutis sugestões, e eu sei que não adiantaria abrir a boca pra explicar, porque minha palavra nada vale.

Somos sete bilhões, reconhecemos milhões, não conhecemos ninguém. Porque não escutamos.

Eu faço dezoito em um mês e não sei quem eu sou, mas sei que gosto de dias chuvosos e do cair da noite, gosto de roxo e de cor-de-rosa, e as lembranças mais felizes que tenho são em meio a livros. Ainda tenho medo do escuro, não acredito no futuro e não confio mais em ninguém, nem em mim.

Hoje mesmo construí um forte de cobertores achando que conseguiria me esconder do mundo lá fora.

O mundo lá fora está dentro de mim.

É o meu passado.

É a minha ansiedade que entra sem bater na porta do quarto.

É a buzina debaixo da janela.

É a tristeza que se instalou no meu peito e não quer mais sair, desde que eu descobri que ninguém mais acredita em papai noel e eu sou considerada imatura por gostar de cantar no meio da pracinha.

 

Um dia eu escrevi “perdi-me: em algum lugar por aí”.

Update: ainda estou à procura de mim.

Publicado por barbarademedeiros

Minha profissão é mentir sobre tudo bem o suficiente para que vocês acreditem.

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